Profeta do mundo subterrâneo

Excêntrico escritor americano pregava teoria da Terra Oca em comunidade agrícola de Santa Catarina nos anos 60

As montanhas dos arredores de Joinville (SC) são repletas de lendas. Desde criança, o pesquisador Henrique Kühne, hoje com 51 anos, coleciona mitos locais como o tesouro perdido do Morro do Cantagalo, o cavaleiro adormecido do Castelo dos Bugres e os portais mágicos do topo do Monte Crista. Mas talvez a história mais insólita que encontrou na região tenha sido a de Walter Siegmeister, um excêntrico imigrante norte-americano que viveu no município vizinho de Barra Velha durante os anos 50 e 60.

Fascinado por aquelas montanhas, Siegmeister acreditava que suas rochas guardavam passagens para o mundo subterrâneo de Agartha, cujos habitantes, descendentes dos sobreviventes da cidade perdida de Atlântida, visitavam a superfície utilizando discos voadores. “Vêm muitos ufólogos aqui me perguntar sobre essas histórias. Digo que sou historiador e que pesquiso a vida do Siegmeister, mas não acredito nesses misticismos”, diz Kühne, que cursa licenciatura em História em uma universidade local. “Siegmeister só falava inglês e aqui naquela época só falavam alemão, então ele não conversava muito com o pessoal. Ninguém sabia quem ele era realmente. Na minha pesquisa, todos com quem eu conversava tiveram a mesma ideia de que o cara era louco”, comenta.

Siegmeister nasceu em 1903 em uma família de judeus russos em Nova York. Concluiu doutorado em Pedagogia nos anos 30 e em seguida engajou-se em diversos empreendimentos malsucedidos ligados à nutrição e ao comunalismo. Nos anos 50, suas vendas de tônicos com promessas miraculosas chamaram a atenção do Food and Drug Administration, o órgão de fiscalização sanitária do país, tornando-o um foragido. Talvez esta tenha sido sua principal motivação para vir em direção à América do Sul, sob o pseudônimo de Raymond Bernard. Em 1956, com o dinheiro da pensão de seus pais, ele comprou um lote de 1000 hectares de terra a um preço barato em Barra Velha. Lá, pretendia criar uma idílica comunidade agrícola e vegetariana, seu “Éden subtropical”, que batizou de New California Subtropical Settlement.

“Siegmeister viveu em uma época na qual a sociedade estava se recuperando dos efeitos da Segunda Guerra Mundial. Ele estava bem ciente dos medos que o público americano tinha de uma guerra nuclear”, conta Bradley Whitsel, professor de ciência política da Universidade Estadual da Pensilvânia, autor do artigo “Walter Siegmeister’s Inner-Earth Utopia”, publicado em 2001 na revista acadêmica Utopian Studies, da instituição. “Pode-se argumentar que as concepções de utopia estavam em falta no mundo ocidental durante seu tempo, portanto, suas ideias encontravam reconhecimento naqueles que estavam insatisfeitos com a crescente materialização da cultura do pós-guerra e preocupados com a rivalidade das superpotências da Guerra Fria. Sua visão de uma bucólica e, de certa forma, primitiva existência comunitária representou uma rejeição total e completa das normas, daspreocupações e dos valores de meados do século XX ocidental”, argumenta.

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Apesar de não haver muitos registros sobre os moradores da colônia de Siegmeister, há evidências de que a região chegou a ser habitada por cerca de 100 imigrantes norte-americanos nos anos 60. O grupo era composto por retirantes, fazendeiros, professores e operários. “Aqueles que compraram lotes de terra no local indicam em cartas que buscavam segurança para suas famílias, em uma antecipação da guerra nuclear, além de quererem trocar a sociedade moderna industrial por uma existência mais simples e agrícola. Mas deve ser destacado que Siegmeister concebia essa existência paradisíaca em termos elitistas, ou seja, nem toda a humanidade seria digna, ou capaz, de atingir esse nível de perfeição”, explica Whitsel.

Em sua colônia, Siegmeister passou a ver o potencial de criar um grupo de representantes da raça humana dignos de serem salvos pelos habitantes do reino subterrâneo de Agartha, onde sobreviveriam ao holocausto nuclear que viria. Em uma entrevista de 2011, um ex-dono de cartório de Joinville, Mário Cubas, hoje falecido, lembra que Siegmeister costumava visitar a prefeitura da cidade em busca de financiamento para suas expedições ao interior do planeta: “Ele impunha um pouco a ideia dele, esse era o problema. Ele era curioso e chateava às vezes, pois ficava cinco, seis horas conversando. O pessoal que vinha dos Estados Unidos para cá ficava um pouco decepcionado com ele, pois não conheciam sua fisionomia, aí quando olhavam, levavam um susto. Ele deixava a barba crescer bem grande e o cabelo comprido, que não penteava. Ele ficava no ponto e o ônibus não parava pra ele”.

Foi em terras brasileiras que Siegmeister entrou em contato com um livro que teorizava sobre as supostas origens subterrâneas dos discos voadores. O texto era creditado a O. C. Huguenin, da Sociedade Brasileira de Eubiose (SBE), instituição teosófica e esotérica fundada em 1924. O atual representante da SBE em Joinville, Kenio Nogueira, conta que o principal livro de Siegmeister, A Terra Oca, é lido até hoje pelos membros da sociedade: “O livro é indicado para leitura logo nos primeiros graus. O assunto é apenas mais um dentre tantos outros que precisamos estudar e vivenciar para conhecermos melhor o universo em que vivemos e transformá-lo com a prática e a sabedoria necessárias. Mas há desdobramentos científicos importantes que Siegmeister não citou, pois são objetos de estudo exclusivos dos membros mais adiantados da SBE”.

A Terra Oca foi publicado em 1964 e reúne evidências pseudocientíficas das teorias de Siegmeister. A principal delas estaria nos relatos das expedições de Richard E. Byrd, da Força Aérea Norte-Americana, sobrevoando os polos terrestres. Siegmeister acreditava que o almirante havia encontrado gigantescas aberturas para o interior do planeta, desconhecidas do grande público devido a um complô articulado pelo governo norte-americano. Pouco depois da publicação do livro, Siegmeister faleceu de pneumonia, em setembro de 1965. Pelo menos esta é a versão oficial. Segundo Kühne, ainda há quem acredite que naquele dia ele entrou num portal para o centro da Terra. (Eduardo Seabra)

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